Cuti
SOBRE AS CICATRIZES
SOBRE AS CICATRIZES
até mesmo o lamento
possa olhar nos olhos
sem se ajoelhar
não seja a poesia
o álibi
a quem imolou a dignidade
ao invés de se rebelar
contra a ridícula maldição etílica
de noé
sejamos mais felizes
ao desnudar as partes do livro
para que a beleza floresça mais fecunda
sobre as cicatrizes
é também um jogo de búzios
o poema
à beira deste fogo
onde no crepitar das chamas
a paixão responde ao “-que farás?”: - QUE FAREMOS?
irmão, minha irmandade
nada tem de rosário
meu deus
é revolucionário
histórias libertárias ainda são narradas
na maciez do escuro
por isso da melancolia vamos extrair o mel
e não as cólicas místicas
que avalancham de silêncio e cal
nossas línguas
e nos rodeiam com fantasmas
de senhores de engenho
e anjos entoando
sabemos com o quanto de branco
se desfaz uma pessoa colorida
quando a cidade pobre de curvas
faz seu trottoir em nosso anseio
roda a bolsinha recheada de angústia
racismos
e pesadelos
exibindo seu titubeio
e de nada adianta
ofertares a outra face
traseira
porque os judas, eles, te chutam do mesmo jeito
e dão normal seguimento
à liturgia
abençoando a mais-valia
teus cueiros borrados de alvuras
não se esfregam no cenho
não se lavam no pranto
mas nas ondas de um novo canto
brilhantes e puras
que nos vêm do âmago
e o poema
é também um ebó de sonho e sangue
na encruza do que se crê
(-laroiê!)
estamos libertando do pelourinho
a palavra
e com suas asas
tingiremos de alegria
o hesitante horizonte das metáforas magoadas
e das metáforas medrosas.
Cuti
(Flash Crioulo sobre o Sangue e o Sonho)