Margaret Jull Costa
angleščina
EXPLICAÇÃO DA CABISBAIXEZA
ela pede para ser adormecida
com histórias de heroínas a dormir
ela pede para ser embalada
com palavras do agora sempre dantes
ela pede para ser acordada
com olhares fixos como estrelas
e estrelas movediças como olhos
ela pede para ficar mais um pouco
diante do bailado das sombras
ela pede que lhe entreguem a carta em mão
e lhe emprestem a mão por algum tempo
ela pede que lhe recordem o nome do presente em fuga
e apaguem a data do instantâneo a cores
ela pede a mentira e o desmentido
dentro de uma caixa do tamanho da boneca
com a boneca a tornar-se falante
ela pede para ser levada em braços
adormecida até à outra margem do repouso
ela pede para ser levada pelo nariz
até à origem do perfume embriagante
ela pede para não ser reconhecida como sonhadora
mas antes como expressão da penúria sublime
ela pede para ser espanejada
como aquela pequena biblioteca
composta pelos livros a levar
para a tal ilha certa e deserta
ela pede tudo o que a perde
paragens, paradeiros
ela pede o que não tem parança
dança quando arde, arde enquanto dança
ela pede para esquecer muito
até se lembrar de tudo
ela pede a festa do estudo
até adormecer sobre a fuga das letras
e sobre o fulgor da noite analfabeta
Avdio produkcija: Casa Fernando Pessoa
An Explanation of Despondency
she asks to be rocked to sleep
with stories of sleeping heroines
she asks for nursery rhymes
with words from the eternally present past
she asks to be woken
with eyes as fixed as stars
and stars as mutable as eyes
she asks to be allowed to stay a little longer
to watch the dancing shadows
she asks to have the letter delivered by hand
and to borrow that hand for a while
she asks them to remind her of the name of the fugitive present
and erase the date on the colour photograph
she asks for the lie and for its rebuttal
inside a box the size of a doll
which has now become a talking doll
she asks to be carried
sleeping to the farther shore of sleep
she asks to be led by the nose
to the origin of that intoxicating perfume
she asks not to be described as a dreamer
but rather as an expression of sublime penury
she asks to be dusted off
like that little library
composed of books to be carried
to the right desert island
she asks for everything
that helps her to get lost
stoppages, stopovers
she asks for whatever cannot be stopped
she dances when she burns, she burns when she dances
she asks to forget an awful lot
until she can remember everything
she asks for the joy of studying
until she falls asleep on the fleeing letters
and on the glow of the illiterate night