Martin Earl

angleščina

POETA AOS SETENTA ANOS

Um gesto a que assomasse algum amor
ou um olhar solidário de velho camarada:
nem eles poderiam já infectar de vida insolente
o deserto dos dias que se movem por detrás das altas janelas
ou por dentro dos subterrâneos.

Ninguém mais vem para a varanda cantar teimosamente
o que dói nas nossas vozes e dorme nas nossas veias.
Os sinos continuam a tocar nos dias escuros e claros
sobre ruas desertas ou só atravessadas a medo, porta a porta,
vida a esconder-se de viver.

Pela noite alguém escreve, mas sabe que não escreve para si
nem para os leitores que perdeu noutras idades.
Que um rosto assome à janela, que um verso se perca na rua,
que o nosso orgulho de viver possa durar para além das nossas vidas.

© Luís Filipe Castro Mendes
Iz: Voltar
Porto: Assírio & Alvim – Grupo Porto Editora, 2021
ISBN: 978-972-37-2158-4
Avdio produkcija: Casa Fernando Pessoa

Poet at Seventy

A gesture which shows some love                             

or a confiding look from an old companion:     

not even these can now infect with insolent life

this desert of days that move behind the high windows

or through underground ways.

 

No one else will come out on the balcony to stubbornly sing   

what hurts in our voices and sleeps in our veins.

The bells continue to toll on dark and clear days

through the deserted streets or ones crossed only in fear, door to door,

life hiding from living.

 

Someone writes the night away, but knows he doesn’t write for himself

nor for readers he lost in other ages.  

May a face loom in the window, may a line be lost in the street,  

that our pride in living last beyond our lifetimes.

Translated from the Portuguese by Martin Earl