Margarida Ferra
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Não há na minha lista nenhum nome incompleto,
nenhum pacto sobrevivente,
nenhuma resposta extraviada.
Não há na minha lista manhãs suspensas,
discos em escudos, cobertos ainda pela embalagem.
Não guardo qualquer registo de encomendas adiadas,
pedidos de cliente,
sobras em caixas de plástico,
desejos pendentes de ano novo.
Não há na minha lista tampas
que cheguem para todas as memórias,
nem meia dúzia de colheres com que possa remexer o que ficou.
Não há na minha lista isqueiros normais.
Não me lembro de números de telefone antigos,
qualquer palavra desnecessária,
fotografias com mais de quinze anos.
Na minha vida sempre tive dois filhos.
Nasci com dois seres inteiros –
uma menina e um menino –
dentro de mim,
toda a minha lista acabou de se fazer há dez segundos
És tu, eu, nas polaroids que nunca disparámos da ravina
(este verso que podia ser escrito por ti),
as tampas das caixas de plástico,
talvez os teus livros,
os casacos,
e uma frase com a palavra xadrez
no lugar de um complemento.