Paulo Teixeira
Auto-de-fé
Auto-de-fé
Quando o amor é como os papéis velhos
e anseia por mais arte que a do poema
o coração é o forno onde ardem as palavras.
*
Nesse dia elas foram, amarradas com barbaste,
viúvas precipitando-se dentro da pira.
Fiquei a vê-las abrirem-se como pétalas
para logo definharem a meus olhos
numa florescência não cumprida.
O seu frémito era ainda uma ânsia minha.
Remexi as cinzas, agitei o ar com as mãos.
Vi como um poema se mostra servil ante o fogo.
E pensei: ardessem também os meus dedos!
Para que o poema não deixe crias ao morrer
e não mais confira o direito à vida
do que nele vai escrito.
*
Porque o amor é arte que fica além do poema,
no dia em que não escrever mais poemas
sei que o amor resgatará o meu corpo da chama.