O EXCESSO MAIS PERFEITO

Queria um poema de respiração tensa
e sem pudor.
Com a elegância redonda das mulheres barrocas
e o avesso todo do arbusto esguio.
Um poema que Rubens invejasse, ao ver,
lá do fundo de três séculos,
o seu corpo magnífico deitado sobre um divã,
e reclinados os braços nus,
só com pulseiras tão (mas tão) preciosas,
e um anjinho de cima,
no seu pequeno nicho feito nuvem,
a resguardá-lo, doce.
Um tal poema queria.

Muito mais tudo que as gregas dignidades
de equilíbrio.
Um poema feito de excessos e dourados,
e todavia muito belo na sua pujança obscura
e mística.
Ah, como eu queria um poema diferente
da pureza do granito, e da pureza do branco,
e da transparência das coisas transparentes.
Um poema exultando na angústia,
um largo rododendro cor de sangue.
Uma alameda inteira de rododendros por onde o vento,
ao passar, parasse deslumbrado
e em desvelo. E ali ficasse, aprisionado ao cântico
das suas pulseiras tão (mas tão)
preciosas.

Nu, de redondas formas, um tal poema queria.
Uma contra-reforma do silêncio.

Música, música, música a preencher-lhe o corpo
e o cabelo entrançado de flores e de serpentes,
e uma fonte de espanto polifónico
a escorrer-lhe dos dedos.
Reclinado em divã forrado de veludo,
a sua nudez redonda e plena
faria grifos e sereias empalidecer.
E aos pobres templos, de linhas tão contidas e tão puras,
tremer de medo só da fulguração
do seu olhar. Dourado.

Música, música, música e a explosão da cor.
Espreitando lá do fundo de três séculos,
um Murillo calado, ao ver que simples eram os seus
anjos
junto dos anjos nus deste poema,
cantando em conjunção com outros
astros louros
salmodias de amor e de perfeito excesso.

Gôngora empalidece, como os grifos,
agora que o contempla.
Esta contra-reforma do silêncio.
A sua mão erguida rumo ao céu, carregada
de nada —

© Ana Luisa Amaral
De: Às Vezes o Paraíso
Quetzal, 1998
Producción de Audio: Literaturwerkstatt Berlin 2008

The most perfect excess

I wanted a tensely breathing,

immodest poem

with all the curvaceous elegance of baroque women

and with, on its reverse side, a slender plant.

A poem Rubens would have envied on seeing it

across the gulf of three centuries,

its magnificent body reclining on a divan,

bare arms lying loose by its sides,

naked but for some gorgeous (really gorgeous) bracelets,

and a cupid up above,

in his little cloud-niche,

quietly keeping watching.

That is the poem I wanted.

 

Something that went beyond the Greek ideals

of equilibrium.

A poem made of excess and gold,

and yet very beautiful in its obscure,

mystical power.

Yes, I wanted a poem quite different

from the purity of granite, the purity of white,

the transparency of things transparent.

A poem revelling in anxiety,

a vast rhododendron the colour of blood.

A whole avenue of rhododendrons through which the wind

as it passed, would stop, amazed,

dumbstruck. And there it would stay, imprisoned by the canticle

of those gorgeous (really gorgeous)

bracelets.

 

Naked and curvaceous, that was the poem I wanted.

A counter-reformation of silence.

 

Music, music, music filling its whole body

its hair entwined with flowers and serpents,

a fountain of polyphonic amazement

flowing from its fingertips.

Reclining on a velvet-upholstered divan,

its plump, curvaceous nakedness

would make griffins and sirens grow pale.

And make mere temples, so contained and pure and upright,

tremble with fear at one fiery

golden

glance.

 

Music, music, music and an explosion of colour.

Peering across three centuries,

a silent Murillo comparing his simple angels

with the naked angels of my poem,

which sang, along with other

fair-haired stars,

psalms of love and perfect excess.

 

Góngora turns as pale as the griffins

on contemplating this poem.

This counter-reformation of silence.

Its hand reaching up to the sky, grasping

Nothing - 

From: What's in a Name. Poetry by Ana Luísa Amaral. Bilingual Edition
Translated from the Portuguese by Margaret Jull Costa. New York: New Directions, 2019