Regina Guimarães
RAINHA MÃE
RAINHA MÃE
Quando eu era minúscula
via cores nos números
via caras nas palavras
via animais nas cores
pululando como larvas.
Minha mãe era trigueira
com rebeldias de cabelo preto
e muito amante de cafuné.
Eu sentia-lhe os desejos de moço e osso
as vénias de menina atrás dos dentes grandes
e soube desde sempre que nunca poderia
chegar-lhe aos calcanhares do coração
no espelho seu onde era esbelta e espadaúda.
Minha mãe não contava nem cantava
a não ser em sinal e tom de ameaça
mas amava rasgar papéis
como se a vida recomeçasse lacerada
com ruído de riso e rio pela planura dentro.
Minha mãe tinha números e cores
em dias de poucas palavras
com a pele arrepiando-se de frio.
Minha mãe tinha uma queimadura no lugar do braço
e uma poça de sangue nos seus silêncios
‒ a rectidão era a sua sobrenaturalidade
porém, quer-me parecer,
que jamais mentira lhe queimou os lábios.
Minha mãe rogava pragas às miragens
e aos desertos entre pernas e dunas
contudo nunca me explicou por gestos
o porquê das coisas não poderem ficar
por muito tempo nas mesmas mãos.
Por isso
quando eu era minúscula
via dores nos números
e curas nas palavras.