Rui Cóias
[Nada existe que não tivesse começado]
[Nada existe que não tivesse começado]
Nada existe que não tivesse começado. Mesmo na lonjura, decisiva porção iluminada, em territórios despojados de todo o fim, em areais de mares a desaguar desconhecidamente, mais não olhamos senão a extensão do que vimos. Se campos da Livónia vão dar a campos da Mazúria, se mosaicos amaciam na água de banhos mornos, e além houver só cemitérios seguindo cemitérios, e a meio deles, parado sem vento, o bosque de bétulas, se o sol é o lume do azeite a esmiolar o pão ou o clarão lascado nas muralhas de Helsingor, se o enredo da morte é igual em toda a parte, seja na flauta de Santa Maria ou no gaiteiro de Tallinn, é porque modulamos num lugar o que lastrou de outro. Mesmo sem querer, ou sejam sombras afastando-se, mais não tecemos que a linha de acasos e acertos que uma corrente conduz, a cada um, em separado, à passagem mais sensível do acabamento.
Mesmo isolando os lugares numa função laboriosa, detalhando as suas divergências, e as pontas extremas — a parecença entre o que são e o que pensámos serem, mesmo nas regiões cruzadas por comboios extensos, onde a noite cairá em escamas de lavanda, seguiremos a mesma história, afundamos os pés no mesmo solo. Naquilo por que vamos repetidamente levados, ansiando o que se manifeste acolá na próxima enseada, alisando com a mão os castanheiros onde inscrevemos, depois de outros, nossos sinuosos nomes, nossos amores, sempre tornamos ao ponto em que tudo se repete e inicia, de que atingimos apenas um minuto só — um instante, a lâmina que medeia o ano que passa e o ano que vem.