Paulo Teixeira

portuguese

Niki Graça

german

Autobiografia cautelar

1

Como se escreve a vida com pronomes trocados,
se tudo nela se recusa a ser uma história
urdida em encontros e aventuras,
país como Helvécia onde nada acontece,
a peça sem mudança de cena onde,
antes de se dar por isso, cai o pano
que o espectador, entre o cínico e o cénico,
duvida alguma vez ter sido içado.    


                        2

Escrever a vida: tarefa odorífera
como a do homem que desenterra cadáveres
e os expõe para dissecação na mesa fria,
fétida cloaca onde não houve Brama
mais que o bramir das ondas,
nem aura que por ti subisse, helicoidal,
dias como serpentinas, céus como ovos de Páscoa,
transubstanciação em pleno dia,
fortuna em descendência colateral,
causas como Bilbau e Belfast,
violação e rapto para uma ilha deserta,
clímaces de ondas electromagnéticas
num qualquer hemisfério cerebral,
hipérbole (fora do poema),
nada que te olhe da altura de dois andares
na hierarquia dos teus dias;
só este sabor biliar que ascende à boca
de uma ferida ulcerada
no eixo transverso da alma.


                        3

Autobiografia do que se perdeu
como bagagem abandonada no passeio
e só a custo resgatas do oblívio;
bocados de canções que algum dia
te prenderam a uma coisa terrena;
o nome de duas ou três cidades
onde terias ficado um dia mais;
rostos que contigo se cruzaram
— puro assomo de beleza na noite —
sem deixarem sequer o leve tambor
dos seus dedos nas espáduas;
amigos em conversa com suas certezas
à mesa da solidão jornaleira;
amigos: perdidos em morte, indiferença,
cabalas de quem julgou que a poesia
podia ser a feira que lhes faz falta.


                        4

Autobiografia? Só a do efémero
ou do entardecer que dura
como único deslumbramento, fiel a ti
como gravata colorida, pura cenografia
sem palavras, carta do país das Hespérides
onde nunca ninguém foi nem espera de ti resposta.

© Paulo Teixeira & Gótica
From: Autobiografia Cautelar
Lisboa: Gótica, 2001
ISBN: 972-792-031-4
Audio production: 2006, M.Mechner / Literaturwerkstatt Berlin

Einstweilige Autobiografie

1.

Wie kann man das Leben mit vertauschten Pronomen schreiben,
wenn alles darin sich sträubt eine Geschichte zu sein,
zusammen gewoben aus Begegnungen und Abenteuern,
ein Land wie Helvetia, wo nichts geschieht,
ein Stück ohne Szenenwechsel, wo
bevor man sich’s versieht der Vorhang fällt,
und der Zuschauer – zwischen Zynischem und Szenischem –
daran zweifelt, dass er je hochgezogen wurde.

2.

Das Leben schreiben: eine aromatische Aufgabe,
gleich der des Menschen, der Kadaver ausgräbt
und sie zum Zerlegen auf den Seziertisch streckt,
stinkende Kloake, wo es kein Brahma gibt
außer dem Branden der Wellen,
auch keine Aura, die helikoidal aus dir emporsteigt,
Tage wie Luftschlangen, Himmel wie Ostereier,
Verwandlung am helllichten Tag,
reich an Seitensprossen,
Streitsachen wie Bilbao und Belfast,
Vergewaltigung und Entführung auf eine verlassene Insel,
das Emporsteigen elektromagnetischer Wellen
in irgendeine Hirnhemisphäre,
Hyperbel (aber nicht im Gedicht),
nichts, was dich in der Hierarchie deiner Tage
aus dem zweiten Stock heraus ansieht,
nur dieser gallige Geschmack, der zum Mund hochsteigt
- aus einer schwärenden Wunde
in der Querachse deiner Seele.


3.

Autobiografie dessen, was als verlassenes Gepäckstück
auf dem Gehweg zurückblieb
und du nur mit Mühe der Vergessenheit entreißt;
Liedfetzen, die dich eines Tages
an etwas Irdisches gebunden haben:
der Name von zwei oder drei Städten,
in denen du einen Tag länger verweilt hast;
Gesichter, die deinen Weg kreuzten
- nicht mehr als ein Hauch nächtliches Schönheit -
und nicht einmal das leichte Trommeln
ihrer Finger auf den Schultern hinterließen;
Freunde im Gespräch mit ihren Gewissheiten
an der Tafel tagtäglicher Einsamkeit;
Freunde: verloren in Tod, in Gleichgültigkeit,
in den Ränkespielen dessen, der die Poesie
als den ersehnten Jahrmarkt ansah.

4.

Autobiografie? Nur die des Flüchtigen
oder des sich hinziehenden Abends, der
als einzige Betörung andauert, dir treu
wie eine bunte Krawatte, reines Bühnenbild
ohne Worte, Brief aus dem Land der Hesperiden,
wo nie jemand war oder auf Antwort von dir wartet.

Aus dem Portugiesischen von Niki Graça