Ana Martins Marques
Ofélia aprende a nadar
Ofélia aprende a nadar
Há muita coisa em comum entre
cair de amor e cair na loucura
e cair num rio
em todo caso
cai-se
da própria altura
veja-se, por exemplo,
Ofélia
cai
mas cai
cantando
trazendo nas mãos ainda a grinalda
de rainúnculos, urtigas, malmequeres
e dessas flores a que os pastores dão um nome
mas que as moças denominam poeticamente
"dedo-da-morte"
cercada desses ornatos
como de uma coroa
por um momento
seu vestido se abre
e ela se sustenta
na superfície
envolvida
na correnteza
qual uma sereia
cantando
canções antigas
com os cabelos entrelaçados aos juncos
e aos nenúfares
como se tivesse nascido ali
como se fosse criatura
daquele elemento
(somos nós mesmos piscinas
lagos ou charcos
reservatórios onde águas
se debatem)
quando seu vestido
se torna pesado
ela começa lentamente
a mover os braços
e as pernas
primeiro sem deixar de cantar
depois substituindo o canto
por uma respiração ritmada
mergulhando e levantando a cabeça
e aproveitando-se da correnteza
até chegar à margem
lamacenta
por onde sobe
com alguma dificuldade
carregando o vestido
pesado
há muita coisa em comum entre
cair num rio
e cair em si
e cair fora