Rui Cóias
[Não há mais vidas, nem o recomeço delas por algum fim]
[Não há mais vidas, nem o recomeço delas por algum fim]
Não há mais vidas, nem o recomeço delas por algum fim,
nem o amor nos deixará um sorriso insinuante,
nem o passado deixará frestas insinuantes no presente,
nem no meu tempo levemente tocarei,
nem deus nos tocará numa terra de ninguém,
nem por ela passarei sem que me lembre,
nem por ela passarei.
Deixaram-nos promessas a esperança longínqua,
o halo de ombros espraiado em areias quentes,
e cada expiro foi o último sem que o soubéssemos
— tão fraco é que não o notamos extinguir-se, dissipar o seu alento hesitante, escorrer o fumo ralo de não mais ter sido que o estampido de um vulto a desviar-se. Que há-de ser de nós, se só uma verdade é a verdade — que nela se exerce a nossa vida, só aparência vigilante, a estancar a luz em movimento, e o vazio do movimento, a suspirar cada nome próximo — jamais visto, massacrado, que há-de ser — que há-de tornar-se, embora instantaneamente adormecidos noutra coisa, como a imaginar o sol num campo de azeitonas ou a doçura evanescente que contempla, embora amando, ouvindo chamar ao perto, rente ao espelho, embora o beijo seja a resumida força, como um filho — que há-de ser de nós?
E as vinhas descem — tão demoradamente descem, e silenciamos, já pensando na hora que virá — e meu pai aponta os olivais vedados, em chama, e a sua voz escapa-se da tarde à noite, por um túnel
— meu pai afirma, com os cães em fundo, que o caminho acaba aqui, meu pai repete que o caminho acaba aqui, com os cães ao fundo
— e todos amamos o mundo, e o que dele passa em cada ponto, e a origem de cada um, a presença, e o adeus
— todos amamos o mundo soçobrado, a espiga no cume, o segredo
— todos tememos a respiração inócua, a nossa hora — o desvio embaciado, e o incenso,
o desvio que já adiante vem, que já adiante vem a retinir.