Ana Paula Tavares
A cabeça de Nefertiti
A cabeça de Nefertiti
Tivesse soerguido, da solidão granular, o perfil oblongo
Da cabeça de Nefertiti
Luís Carlos Patraquim
Esta cabeça é minha
por cima do muro
que a sustém
Esta cabeça está cortada de mim
há sete mil anos
e no entanto é a voz dela
que fala dentro da minha voz
o seu olho vazado que me ilumina
os olhos
Pelo seu nariz eu respiro
o barro dos antigos
e passo pelos olhos o khol preto
da distância
É Berlim com o sopro dos anjos
em cada esquina
é deserto com desenhos de areia
muito fina
percorro o labirinto
Esta cabeça é minha
é o perfil que me convém
com seu olhar vazio e limpo
do sono de tantos anos
Esta cabeça
encaixa-se-me nos ombros
com o peso dos cabelos
Esta mulher é a minha fala
O meu segredo
Minha língua de poder
E meus mistérios
Esta mulher está fechada em mim
há sete mil anos
por ela descobri o rosto
fui noiva e esposa
conheci o doce sabor do abandono
Como ela não sei quem sou
Estou diante do espelho
Com uma moldura de bronze à volta