Marie Claire Vromans 
Übersetzer:in

auf Lyrikline: 5 Gedichte übersetzt

aus: portugiesisch nach: französisch

Original

Übersetzung

[Onde a fuligem avança na maresia para o interior]

portugiesisch | Rui Cóias

Onde a fuligem avança na maresia para o interior,
e no meio da hora cálida desaba um passo,
e outra sombra é a sombra de um prenúncio
ou alguém partindo num intervalo de pétalas,
onde cinzas pairam na largueza dos baldios,
gerando o manto de numerosos anos,
já ausentes, e sózinho alguém acolher o orvalho, ouvindo-se vagões em fundo, com o tremular de tudo fluir e num ponto resumir-se,

compreendemos talvez por fim, ainda que por instinto, fugaz parecença, ou sopro macilento, que essa é a vocação da morte.

E porque o caminho é estreito, tal a criança por ele anda, porque o nosso rosto virão em breve tapar na cerimónia, com a deferência de preces inconsoladas, alinhamos a paisagem ao rumo diverso do que foi cartografado, e consoante a latitude, a idade, o local de acesso ou quando a criança já no caminho não está, desfocamos o mundo com a estrela da incerteza, com o tempo que não temos nem iremos ter, cúmplices de um destino que nos liga ao invisível, enquanto diz adeus outra vez mais outra alma que se finda.

© Rui Cóias
aus: A Europa
Edições Tinta da China, 2016
Audio production: Gravado nos Estúdios da Bica em Abril de 2017. Produção Alexandre Cortez. / Recorded at Estúdios da Bica, April 2017. Produced by Alexandre Cortez.

[A l'endroit où la suie pénètre dans l'odeur de marée]

französisch

A l'endroit où la suie pénètre dans l'odeur de marée,
et progresse au sein de l'heure chaude, 
et qu'une autre ombre est l'ombre d'un présage
ou quelqu'un partant comme tombe un pétale,
où des cendres planent sur l'étendue des jachères, 
engendrant là le manteau de nombreuses années, déjà absentes,
et que quelqu'un, seul, accueille la rosée, dans une lointaine rumeur de wagons,
avec l'avantage que tout flue et se résume en un point,

nous comprenons peut-être finalement, quoique par instinct, similitude fortuite, ou souffle léger, que telle est la vocation de la mort.

Et parce que le chemin est étroit, au point qu'un enfant y passe,  parce qu'on couvrira bientôt notre visage dans la cérémonie, avec la déférence de prières désespérées, nous alignons le paysage sur un autre chemin que celui cartographié, et suivant la latitude, l’âge, le lieu d'accès ou quand l'enfant ne s'y trouve plus, nous décentrons le monde et sa part d'incertitude, avec le temps que nous n'avons pas et n'aurons jamais, complices d'une destinée qui nous raccorde à l’invisible, pendant que dit adieu une fois encore  une autre âme qui s’éteint.

Traduit par Marie Claire Vromans

[Nos olhos de quem, sem imaginares, se enternece]

portugiesisch | Rui Cóias

Nos olhos de quem, sem imaginares, se enternece, no meio dos homens que em peregrinação partem e a quem um outro chama, acenando, ao longe,

no fosso a dividir a despedida da paz almejada,na culpa que assiste o abandono e os seus escombros, na comoção da estrada para qualquer parte, na cálida vela acendendo a noite que nascera clara,

quão delicada é a debilidade para morrer.

E quando chega a hora, parece pausada a terra, que nada por ela corre que se aviste e destoe senão o rumor estropiado na fábula de um velho ou o fúnebre desfile debaixo dos frescos de Beram, onde a trombeta três vezes ressoa exuberante no meio da dança que nunca o é realmente. Mas ao menos bate-nos a luz que contunde com a clareza dos flocos escorridos no vento, ao menos sentimos o vento mudar, e de novo sumir, e contra ele corremos até os lábios descorarem em toda a pujança empurrada para a frente:
ao menos uma voz chamará dentro do vento e saberemos que acolá alguém nos espera, também ela nos dando a cheirar a folha de cedro, também ela pisando a erva dispersa
— para não confessarmos a sós esta fraqueza
— para darmos bênção pela nossa graça.

© Rui Cóias
aus: A Ordem do Mundo
Edições Quasi, 2006
Audio production: Gravado nos Estúdios da Bica em Abril de 2017. Produção Alexandre Cortez. / Recorded at Estúdios da Bica, April 2017. Produced by Alexandre Cortez.

[Dans les yeux de qui passe et s'attendrit, sans que tu]

französisch

Dans les yeux de qui passe et s'attendrit, sans que tu l'imagines, au milieu des hommes qui partent en pèlerinage, et qu'un autre appelle, vieilli avant l'âge,

dans le fossé qui sépare l'adieu de la paix convoitée, dans la faute associée à l'abandon, et dans ses décombres, dans l'ébranlement de la route menant quelque part, dans la bougie chaude allumant la nuit qui était née claire,

combien délicate est la faiblesse devant la mort.

Et quand arrive l’heure, la terre paraît ralentie, car rien chez elle n'attire l'attention, rien ne détonne sinon la rumeur déformée dans la fable d'un vieux ou le défilé funèbre sous les fresques de Beram, où la trompette exubérante retentit trois fois au milieu de la danse qui n'en est pas une vraiment. Mais au moins nous tente la lumière qui meurtrit  par la clarté du flocon enfermé dans le vent, au moins sentons-nous le vent changer, et de nouveau faiblir,  et contre lui nous courons au point que nos lèvres se décolorent  avec toute la vigueur projetée vers l’avant:
au moins une voix appellera à l'intérieur du vent  et nous saurons que là-bas quelqu'un nous attend,  elle aussi nous fera sentir la feuille de cèdre, elle aussi foulera l'herbe éparse
— pour que nous ne confessions pas seuls cette faiblesse
— pour que nous bénissions notre grâce.

Traduit par Marie Claire Vromans

[Nada existe que não tivesse começado]

portugiesisch | Rui Cóias

Nada existe que não tivesse começado. Mesmo na lonjura, decisiva porção iluminada, em territórios despojados de todo o fim, em areais de mares a desaguar desconhecidamente, mais não olhamos senão a extensão do que vimos. Se campos da Livónia vão dar a campos da Mazúria, se mosaicos amaciam na água de banhos mornos, e além houver só cemitérios seguindo cemitérios, e a meio deles, parado sem vento, o bosque de bétulas, se o sol é o lume do azeite a esmiolar o pão ou o clarão lascado nas muralhas de Helsingor, se o enredo da morte é igual em toda a parte, seja na flauta de Santa Maria ou no gaiteiro de Tallinn, é porque modulamos num lugar o que lastrou de outro. Mesmo sem querer, ou sejam sombras afastando-se, mais não tecemos que a linha de acasos e acertos que uma corrente conduz, a cada um, em separado, à passagem mais sensível do acabamento.

Mesmo isolando os lugares numa função laboriosa, detalhando as suas divergências, e as pontas extremas — a parecença entre o que são e o que pensámos serem, mesmo nas regiões cruzadas por comboios extensos, onde a noite cairá em escamas de lavanda, seguiremos a mesma história, afundamos os pés no mesmo solo. Naquilo por que vamos repetidamente levados, ansiando o que se manifeste acolá na próxima enseada, alisando com a mão os castanheiros onde inscrevemos, depois de outros, nossos sinuosos nomes, nossos amores, sempre tornamos ao ponto em que tudo se repete e inicia, de que atingimos apenas um minuto só — um instante, a lâmina que medeia o ano que passa e o ano que vem.

© Rui Cóias
aus: A Ordem do Mundo
Edições Quasi, 2006
Audio production: Gravado nos Estúdios da Bica em Abril de 2017. Produção Alexandre Cortez. / Recorded at Estúdios da Bica, April 2017. Produced by Alexandre Cortez.

[Rien n'existe qui n'ait commencé]

französisch

Rien n'existe qui n'ait commencé; même à perte de vue, un endroit crucial éclairé, dans des territoires illimités, au bord de mers qui se vident mystérieusement, nous ne regardons que l'extension de ce que nous avons vu. Si des champs de Livonie donnent sur des champs de Mazurie, si des mosaïques s'adoucissent dans l'eau de bains tièdes, et qu'au-delà il n'y ait que des cimetières suivis de cimetières, avec, au milieu, immobile en l'absence de vent, le bois de bouleaux, si le soleil est le feu de l'huile émiettant le pain ou la lueur éclatée sur les murailles d'Helsingor, si l'intrigue de la mort est la même partout, tant pour la flûte de Sainte Marie que pour la cornemuse de Tallinn,  c'est parce que nous modulons d'un côté ce qui a trop pesé de l'autre.  Même sans le vouloir, ou comme des ombres qui s'éloigneraient,  nous ne tissons que la suite de hasards et de succès  qu'un courant conduit à chacun en particulier,  au passage le plus sensible de l’achèvement; 

même si on isole les lieux avec beaucoup d'attention,  détaillant leurs divergences et leurs points extrêmes — la ressemblance entre ce qu'ils sont et ce que nous avons pensé qu'ils étaient,  même dans les régions traversées par de longs trains,  où la nuit tombera en écailles de lavande, nous poursuivrons la même histoire, nous enfonçons les pieds dans le même sol. Quant à la raison de nos fréquentes allées et venues, transissant pour ce qui arrive dans la rade prochaine, lissant de la main les châtaigniers où nous inscrivons, après d'autres, nos prénoms sinueux, nos amours, nous retournons toujours au point où tout se répète et recommence,  dont nous n'atteignons qu'une minute — un instant,  la lame coupant en deux l'année qui passe et l'année qui vient.

Traduit par Marie Claire Vromans

[Não há mais vidas, nem o recomeço delas por algum fim]

portugiesisch | Rui Cóias

Não há mais vidas, nem o recomeço delas por algum fim,
nem o amor nos deixará um sorriso insinuante,
nem o passado deixará frestas insinuantes no presente,
nem no meu tempo levemente tocarei,
nem deus nos tocará numa terra de ninguém,
nem por ela passarei sem que me lembre,
nem por ela passarei.
Deixaram-nos promessas a esperança longínqua,
o halo de ombros espraiado em areias quentes,
e cada expiro foi o último sem que o soubéssemos

— tão fraco é que não o notamos extinguir-se, dissipar o seu alento hesitante, escorrer o fumo ralo de não mais ter sido que o estampido de um vulto a desviar-se. Que há-de ser de nós, se só uma verdade é a verdade — que nela se exerce a nossa vida, só aparência vigilante, a estancar a luz em movimento, e o vazio do movimento, a suspirar cada nome próximo — jamais visto, massacrado, que há-de ser — que há-de tornar-se, embora instantaneamente adormecidos noutra coisa, como a imaginar o sol num campo de azeitonas ou a doçura evanescente que contempla, embora amando, ouvindo chamar ao perto, rente ao espelho, embora o beijo seja a resumida força, como um filho — que há-de ser de nós?

E as vinhas descem — tão demoradamente descem, e silenciamos, já pensando na hora que virá — e meu pai aponta os olivais vedados, em chama, e a sua voz escapa-se da tarde à noite, por um túnel

— meu pai afirma, com os cães em fundo, que o caminho acaba aqui, meu pai repete que o caminho acaba aqui, com os cães ao fundo

— e todos amamos o mundo, e o que dele passa em cada ponto, e a origem de cada um, a presença, e o adeus

— todos amamos o mundo soçobrado, a espiga no cume, o segredo

— todos tememos a respiração inócua, a nossa hora — o desvio embaciado, e o incenso,

o desvio que já adiante vem, que já adiante vem a retinir.

© Rui Cóias
aus: A Ordem do Mundo
Edições Quasi, 2006
Audio production: Gravado nos Estúdios da Bica em Abril de 2017. Produção Alexandre Cortez. / Recorded at Estúdios da Bica, April 2017. Produced by Alexandre Cortez.

[Il n'y a pas d'autres vies, ni de vies recommencées]

französisch

Il n'y a pas d'autres vies, ni de vies recommencées dans un certain but,
et l'amour ne nous laissera pas un sourire insinuant,
le passé ne laissera pas de trouées insinuantes dans le présent,
et mon temps légèrement je ne toucherai,
dieu ne nous touchera pas sur une terre de personne,
et par elle je ne passerai sans me souvenir,
par elle je ne passerai.
On nous a laissé des promesses, l'espérance lointaine,
le halo d'épaules étalé sur des sables chauds,
et, à notre insu, chaque expiration fut la dernière

— si faible que nous ne l'avons pas vue s'éteindre,  dissiper son souffle hésitant, perdre la buée rare de ne pas avoir été plus que l'éclatement d'une silhouette qui s'écarte. Qu'en sera-t-il de nous, si une seule vérité est la vérité — que s'y exerce notre vie, rien qu'une apparence vigilante,  coupant la lumière en mouvement, et le vide du mouvement,  soupirant chaque nom proche — jamais vu, massacré,  qu'en sera-t-il - qu'en adviendra-t-il, quoique instantanément endormis dans autre chose, comme imaginant le soleil sur un champ d'olives ou la douceur évanescente qu'il contemple, quoique aimant, entendant appeler tout près, au ras du miroir, quoique le baiser soit la force résumée, comme un fils — qu `en sera-t-il de nous ?

Et les vignes descendent — si lentement elles descendent,  et nous nous taisons, pensant à l'heure qui viendra — et mon père montre les olivaies protégées, en flamme, et  sa voix passe de l'après-midi à la soirée, par un tunnel

— mon père affirme, avec les chiens dans le fond, que le chemin s'achève ici,  mon père répète que le chemin s'achève ici, avec les chiens dans le fond

— et tous nous aimons le monde, et ce qui en émane à chaque point,  et l'origine de chacun, la présence, et l'adieu

— tous nous aimons le monde submergé, l'épi sur la cime, le secret

— tous nous craignons la respiration inoffensive, notre  heure — le détour terni, et l'encens, le détour qui approche !

qui approche déjà en retentissant.

Traduit par Marie Claire Vromans

[Que exíguo impulso se move e não esquecemos?]

portugiesisch | Rui Cóias

Que exíguo impulso se move e não esquecemos?
Em que dádiva de chão dançamos com as mães cantantes,
onde estão as verdadeiras lágrimas, que as não vemos?
Após anos de retiro, lumes brandos, luz de círios,
decorrido que foi o langor de sons pela geada, que
bem remanesce no contorno puído de cidades

— que graça confessamos ter decididamente tocado? Viemos de longe, de patíbulos que ninguém contará, evocando pontos brumosos e vagas escolhas, a custo apartados da dor de uma época a outra sobrepondo-se, para ver enfim esquivas as mansardas donde partimos — ainda a maioria sorria nos terreiros, tantos anos — e perceber que o caminho se faz lançando mão ao que dele continuamente resvala, inaudível — apagando-se. O tempo vai sendo abolido, é o tempo da chama sobre a água, e fomos amiúde derivando do maior para o mais justo, imersos no ruído de fundo de uma escadaria, pouco a pouco premindo a vida ao tamanho último, a essa porção da biografia toda a vez mais nítida, na qual só um recolhimento, tal a subir-se um vão de escada, é a raiz do que em favor de nós fizemos, a alegria que emana após o cativeiro.

© Rui Cóias
aus: A Ordem do Mundo
Edições Quasi, 2006
Audio production: Gravado nos Estúdios da Bica em Abril de 2017. Produção Alexandre Cortez. / Recorded at Estúdios da Bica, April 2017. Produced by Alexandre Cortez.

[Quelle impulsion minime se déclenche et nous empêche]

französisch

Quelle impulsion minime se déclenche et nous empêche d'oublier ? 
Sur quel sol miraculeux dansons-nous avec les mères chantantes, 
où sont les véritables larmes, que nous ne voyons pas ? 
Après des années de retraite, de feux doux, de cierges allumés, 
la langueur de sons figée par le givre, quel 
bien reste-t-il dans le contour usé des villes

— quelle grâce confessons-nous avoir décidément touchée ? Nous sommes venus de loin, de supplices que personne ne racontera,  évoquant des points brumeux et de vagues choix, péniblement préservés de la douleur d'une époque se superposant à une autre,  pour voir enfin les mansardes furtives d'où nous sommes partis — la plupart souriaient encore sur les places, tant d’années — et comprendre que le chemin se fait grâce à ce qui en découle continuellement, inaudible, s’effaçant.  Le temps peu à peu s'abolit, c'est le temps de la flamme sur l'eau,  et nous avons souvent dérivé du plus grand au plus juste,  plongés dans le bruit conius d'une volée d'escaliers,  comprimant graduellement la vie jusqu'à son ultime dimension,  cette portion de la biographie de plus en plus nette,  où seul le recueillement, comme lorsqu'on gravit une marche,  est la racine de ce que nous avons fait à notre avantage,  la joie qui émane après la captivité.

Traduit par Marie Claire Vromans