Ana Martins Marques
Um jardim para Ingeborg
Um jardim para Ingeborg
Deste lado
da cerca do jardim
estamos.
Do outro lado
o mundo.
Dias inteiros
bateram contra a cerca
e vemos agora seus pedaços
entre os cogumelos podres
no chão.
Pássaros voltam do inverno
o tempo é de recomeço
e o jardim sobreviveu
ao moinho das estações.
Também nós
nos reerguemos
sobre as cinzas e as bombas e os cadáveres.
Nenhum jardim
é inocente.
Não se misturam
as coisas e as palavras
intraduzíveis umas pelas outras:
de nada vale colocar um seixo no lugar de um
nome
que falta
ou adornar um verso
com uma flor de laranja.
O gelo que um dia destruiu o jardim
deixou intacto este poema.
Silenciosos
estranhos
andamos ladeando
a cerca
sentindo sobre os ombros
o peso novo do verão.
Usamos palavras antigas
pedra folha e noite.
Só nelas ainda
confiamos.