Miguel Manso
O MEL DOS HIMALAIAS
O MEL DOS HIMALAIAS
para a Raquel Nobre Guerra
a tarde quente
e rodeada de cordilheiras fundas
de águias aos círculos a vigiarem dos deuses
a morada
no terraço de um restaurante crudívoro
entre Sol e ruína
falto de fuminhos e estrugidos
engoli sumos grossos de fruta
esgotado das complicadas especiarias do amor
e farto da Índia que vira e não vira
um corvo
veio pousar no muro
tão mais rápido que a foto que não pude
queimou contudo o negativo
da memória que este poema revela e fixa
com o suor da viagem
aqui está — vê‑lo? — mofando
do infortúnio
aqui estou
sentado à mesa de ferro gasto
pelo sucessivo antojo do prodígio suspenso
com os dedos obscuros tocando o copo
a palhinha
diante do azar há
quase sempre um lugar de amparo
basta reconhecê‑lo
o meu não tardou a vir na forma
frágil de um apícola
que descia do lado da encosta roto e maculado
rindo‑se
parou junto às mesas pôs
no chão o pote que trazia pesado nos ombros
abriu‑o e juro
saiu de dentro uma luz de baú
pejado de riquezas
untou um galho naquilo instigou
os poucos que ali estávamos a provar
do favo
provámos