Jussara Salazar
cristais sobre o rio
À memória de Caio Fernando Abreu
Sim, lá vai o rio.
Passa espesso, luminoso, profundo. Intenso vai carrega velhos cristais navegam a procissão de homens, flores, fitas, votos, velas.
Fantasmas ondulam a superfície larga. Quaram.
Óculos e vejo
as medusas, turmalinas, passos, tentáculos, o branco azul que dói, o texto monturo de ontem.
Mas hoje nenhum arbusto flutua.
Nada, nenhum fruto apodrecido, nenhuma carne em agonia, tudo é silêncio.
Um sopro acalma: os ventos de Iansã circundam brisam o rio das capivaras. Respiro o aprazível de tocar com os olhos até as pedras submersas nesta terra de árvores marinhas — campo, templo de deuses sem nome, querubins de muitas línguas, água de tantas Ofélias. Língua de casca áspera bate–bigorna. [um prego nervoso degola um halo de luz, me diz que é para escrever tocando o papel devagar, sem chispas à Lorca.] Mudo de cadeira, procuro o sol mina vermelha de seda em ouro bruto.
Osso oco, metáfora resto.
[vinde, caminha sobre essas águas e observa, contempla as baronesas que surgem feito exércitos, as ovelhas brancas, as romãs passando, boiando como cristais delicados, sol quebradiço, umbigo esquisito da cidade.]
Cinco martírios.
A lâmina do tempo me diz outra vez: é um rio — e rápida também passa. Por isso aguardaremos a chuva o sol, aguardaremos o que nunca pára de passar.
O inseto baila sua nudez sobre vazio do papel.
Mergulho.
Senhora, ai de mim ninguém viu, minha guia caiu no espelho do fundo do rio