Regina Guimarães

البرتغالية

Margaret Jull Costa

الانجليزية

RAINHA MÃE

Quando eu era minúscula
via cores nos números
via caras nas palavras
via animais nas cores
pululando como larvas.

Minha mãe era trigueira
com rebeldias de cabelo preto
e muito amante de cafuné.
 
Eu sentia-lhe os desejos de moço e osso
as vénias de menina atrás dos dentes grandes
e soube desde sempre que nunca poderia
chegar-lhe aos calcanhares do coração
no espelho seu onde era esbelta e espadaúda.
 
Minha mãe não contava nem cantava
a não ser em sinal e tom de ameaça
mas amava rasgar papéis
como se a vida recomeçasse lacerada
com ruído de riso e rio pela planura dentro.
 
Minha mãe tinha números e cores
em dias de poucas palavras
com a pele arrepiando-se de frio.
 
Minha mãe tinha uma queimadura no lugar do braço
e uma poça de sangue nos seus silêncios
‒ a rectidão era a sua sobrenaturalidade
porém, quer-me parecer,
que jamais mentira lhe queimou os lábios.
 
Minha mãe rogava pragas às miragens
e aos desertos entre pernas e dunas
contudo nunca me explicou por gestos
o porquê das coisas não poderem ficar
por muito tempo nas mesmas mãos.
 
Por isso
quando eu era minúscula
via dores nos números
e curas nas palavras.

© Regina Guimarães
من: Antes de mais e depois de tudo
Porto: Editora Exclamação, 2020
الإنتاج المسموع: Casa Fernando Pessoa

Queen Mother

When I was tiny

I saw colours in numbers

I saw faces in words

I saw animals in colours

seething like maggots.


My mother was dark-skinned

with rebellious black hair

and she loved to have her head rubbed.


I could feel her bone-deep desires

a girl’s modesty behind her big teeth

and I always knew that I could never

measure up to the heart reflected

in her mirror where she stood slender and broad-shouldered.


My mother didn’t tell stories or sing

except as a warning signal, in a menacing tone,

but she loved to tear up papers

as if her lacerated life were starting all over

with the sound of laughter and long, flowing rivers.


My mother had only numbers and colours

on days when she had little to say

her skin was covered in goosebumps from the cold.


My mother had a burn mark where her arm was

and a well of blood in her silences –

she was supernaturally conscientious,

and I am almost sure

that a lie never burned her lips.


My mother heaped curses on mirages

and on the deserts that exist between legs and dunes

but she never used gestures to explain

why things could not stay

for long in the same hands.


That is why

when I was tiny

I saw suffering in numbers

and healing in words.

Translated from the Portuguese by Margaret Jull Costa.